Piatã é mais do que um ponto no mapa: é chão frio de madrugada, sol forte no alto do dia, café de montanha, feira de gente simples, ruas onde a conversa ainda acontece no olho a olho. É uma cidade que cresceu na força do trabalho braçal, na fé das famílias rurais e na resistência silenciosa de quem sempre fez muito com pouco.
Mas sob essa paisagem bonita, há marcas profundas de desigualdade e abandono. Durante décadas, decisões sobre o destino da terra, dos recursos e da própria cidade foram tomadas longe da maioria da população, que raramente teve acesso pleno à informação, aos processos de decisão e às ferramentas que moldam o futuro.
A exclusão digital em Piatã não é um acidente técnico, é a continuação de uma história de concentração de poder. Quando escolas, comunidades rurais e bairros periféricos ficam sem conexão estável, sem formação em cultura digital e sem acesso a conteúdos confiáveis, o que se produz não é apenas atraso tecnológico, mas uma forma moderna de silêncio imposto.
Nesse cenário, a informação vira mercadoria rara, controlada por poucos, enquanto a desinformação circula livre, rápida e cruel. Sem referências confiáveis, as pessoas tornam-se alvo fácil de boatos, fake news, golpes digitais e narrativas que exploram o medo, a dor e a esperança de quem já vive em situação de vulnerabilidade.
A ferida não está só na falta de internet ou de aparelhos, mas na sensação de que a própria voz da cidade não encontra lugar para se expressar com autonomia. Mesmo quando o sinal chega e os celulares se conectam às redes sociais, a maior parte da população continua falando em terrenos controlados por intermediários, algoritmos e interesses que não nasceram em Piatã.
Quando a comunidade depende quase exclusivamente de plataformas externas e de perfis intermediários para saber o que acontece, para anunciar seus serviços ou para defender seus direitos, a relação de poder nunca se equilibra. A cidade fala, mas fala dentro da cerca dos outros.
Em Piatã, a inteligência coletiva sempre existiu: nas roças, nas cozinhas, nas salas de aula, nas associações, nas brigadas, nas iniciativas culturais e ambientais. O que faltou foi um ambiente em que essa inteligência pudesse circular com liberdade, organização e proteção – usando as redes sociais como ponte, mas sem ser sequestrada por interesses particulares ou por velhas estruturas de dominação.
Reconhecer essa ferida é o primeiro gesto de honestidade do Manifesto Alta Piatã. Antes de falar de tecnologia, inovação ou futuro, é preciso dizer com clareza: grande parte da população foi empurrada para um uso limitado e vulnerável do mundo digital, e isso não é culpa das pessoas, mas resultado de escolhas políticas, econômicas, tecnológicas e culturais.
É dessa realidade que nasce a necessidade de um ecossistema digital comunitário: não como luxo, mas como reparação histórica e ferramenta de justiça. O Ecossistema Alta Piatã entra como infraestrutura própria de comunicação e organização, usando as redes, mas não sendo refém delas, e operando com um compromisso claro: priorizar informação qualificada, verificada e de notório conhecimento, baseada em dados, estudos, experiência comprovada e fontes confiáveis, e não em especulação, boatos ou teorias sem lastro.
O Ecossistema Alta Piatã se ergue sobre a consciência desta ferida para construir um novo ciclo em que a terra, a gente e a palavra caminhem juntas – dentro e fora das redes sociais – em direção à liberdade.